Episódio 4          
A TEIA DA ARANHA DOURADA – Rodrigo Leste


No episódio 3, os senadores Paçoca e Cheiroso conversaram sobre o êxito da “operação silêncio”, que conseguiu ocultar completamente o caso da apreensão do helicóptero. O engenheiro Pasqualle hesita em autorizar que a cena em que participou seja exibida.


Episódio 4

Cansado do estresse das grandes cidades, o professor e cientista político, Spencer, espécie de mestre e conselheiro de Alfredo, transferiu-se, sozinho, para uma pequena cidade encravada na Serra da Mantiqueira. Os dois se conheceram no colégio, aluno e professor e, desde então, tornaram-se amigos.
Spencer liga para Alfredo pelo “skype”.

— Alô — atende Alfredo. — Professor! Tudo bem?

— Tranquilo como um esquilo, não fosse isso e aquilo — o professor usa um de seus jargões para iniciar a conversa. — De papo pro ar como um tamanduá.
Alfredo sorri. Depois dos cumprimentos e amenidades, a conversa envereda para o roteiro e a produção do filme.

— Li tudo, Alfredo. Tem passagens em que o texto fica confuso. As vozes — quem está falando, quem faz o quê — não fazem sentido. Problemas de normatização na redação do roteiro para que a leitura flua melhor.

— Escrevo mal, Spencer, tenho consciência disso, mas, pelo menos, tento pôr as minhas ideias no papel.

— Comecei pelo detalhe, Alfredo. No geral me agradou. A cena inicial do helicóptero é uma pancada. Impactante. O tema é muito bom, vasto, e você pode caminhar em muitas direções.

— Aí é que tá o perigo. Fazer um troço “macarrônico”, como você costuma dizer. Pôr ingredientes demais e acabar perdendo o fio da meada.

— É isso mesmo. Você tem que manter o foco. O cerne da trama é a história recente da corrupção no país, né? — pergunta Spencer e já vai emendando. — Se for, tem que tomar muito cuidado. A corrupção passou a ser o bode expiatório pra tudo.

— Concordo, professor. A palavra “corrupção” caiu no lugar comum, todo mundo usa e já não quer dizer nada.

— Banalizou, perdeu o sentido. A corrupção veio pro Brasil, junto com Cabral. As elites sempre exerceram essa prática. Agora, tem uma falha que percebi no roteiro, não mostrar que o MDB é a quadrilha mais bem sucedida a operar no País. Há décadas, desde o golpe de 64, comanda a roubalheira, sempre nas sombras, atuando nos bastidores.

— É, mestre, tudo de podre que é feito aqui tem o dedo desse partido. Mas tem o PSDB, também.

— Raposas, raposas...

— Tucanos, você quer dizer, né, Spencer?

— Alfredo, a máquina funciona direitinho, foi consagrado um modelo de gestão que é conivente e incentiva toda rapinagem. São hienas da savana que, não só trituram os ossos, mas ainda lambem o tutano.

— O monstro tem muitos braços, Spencer. As mineradoras, as empreiteiras, os bancos, a grande mídia, o agronegócio... Ah, o crime organizado...

— Mas, acima de tudo, meu amigo, temos de lembrar que os patrões do Norte vão sempre dar as cartas. O golpe foi urdido no Departamento de Estado, com certeza. Golpe branco, né? Sem uso da força das armas, mas através do judiciário e do congresso. E não me venham falar de teoria da conspiração, hein?
— É isso aí, o Tio Sam não brinca em serviço — fala Alfredo rindo. 

— O difícil é o filme conseguir abranger todos esses assuntos.

— Não dá pra tratar de tudo, é óbvio. Tem que focar em alguns eventos, como o do helicóptero e dar o recado. Nos meus muitos anos de vida não me lembro de um quadro tão sinistro como o de agora. Aliás, meu amigo, quando tudo tá desmoronando, as portas estão todas fechadas, diz a sabedoria popular que chegou a hora de abrir um boteco. Ou de falar de futebol... A propósito, e o seu Galo, como anda? — indaga o professor, já dando sinais de cansaço.

* Ilustração:  Eri Gomes

Fim do Episódio 4




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